quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

2 comentários:

Maria Ribeiro disse...

Fernando Pessoa, ele próprio com um poema em que, com a maior "aparente" ingenuidade , tece críticas ao sistema escolar, aos alunos que deviam estudar e não o fazem e também- por que não dizê-lo?- aos professores, que não cumprem a sua missão. Devo dizer-te que Pessoa chegou a frequentar a Universidade;mas achou tudo aquilo tão caduco, tão fora das realidades do mundo, que resolveu desistir!
Beijo de LUSIBERO

AnaLee disse...

Se calhar deviamos ter feito o mesmo que Pessoa...
Beijinhos!