quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O diabo seja sur(r)do...

    Quando chega o Carnaval lembro-me sempre da Maria João que foi minha aluna em 1996 numa escola da Amadora. Era linda de morrer com a cabeça enxameada do totós coloridos e um sorriso imenso...
     Um dia destes, na caixa do supermercado, uma jovem reconheceu-me, apresentou-se como prima dela e deu-me notícias da Maria João que está a concluír o programa Erasmus em londres. Fiquei feliz e nada espantada..., era uma aluna brilhante apesar de viver uma vida onde faltava tudo.
     Voltando ao Carnaval, nesse ido ano lectivo de 96/97, estavamos a preparar o desfile da escola e a turma estava em estado de absoluta excitação. Resolvi brincar com eles e disse-lhes que já tinha havido um primeiro ministro que tinha "cancelado" o Carnaval; tinhamos de ver se não iria acontecer o mesmo...
     A Maria João que carregava na pronuncia dos erres perdeu o sorriso, bateu com a mãozinha papuda no tampo da secretária e sentenciou:

   _Ai prrofessorra, o diabo seja cego, surrdo, mudo e parralítico!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Tento na língua, senhor Passos Coelho!

Tenho 45 anos.
Comecei a dar aulas no dia 3 de Novembro de 1988, tinha feito 22 anos há menos de um mês e terminado o meu curso em Junho anterior.
Queria ser professora e, como vivia a 80 km da universidade mais próxima, optei pelo Magistério Primário já que tinha um a 7 Km de casa. Assim poupava dinheiro aos meus pais em alojamento e deslocações e, como o curso era de três anos em vez do de História que tinha quatro, começava a rentabilizar mais cedo o esforço que eles faziam na minha formação. Isto tudo pensei eu com 18 anos, acabada de concluír o 12º ano. Pensei e fiz.
Depois corri três distritos, muitas dezenas de escolas e outras tantas de Concelhos. Andei a contrato 5 anos e em congelamentos e afins já lá vão mais de 5... Acrescentei ao meu curso inicial um complemento de formação de mais 14 meses e fui considerada licenciada, pois a páginas tantas da minha carreira alguém se lembrou de impor esse requisito. Entretanto concluí o curso de Direito como estudante nocturna na FDL. Nada acrescentou à minha carreira, mas deu-me satisfação pessoal e a esperança de um dia deixar de engolir desaforos enquanto professora...
Continuo a engoli-los todos os dias: Dos alunos, dos pais dos alunos, da opinião pública em geral e sobretudo da tutela, mas já lá vamos.
Há duas gerações que ensino meninos. Ensino meninos a fazerem quase tudo, incluíndo a assoar o nariz e a dizer bom dia quando entram na sala.
Adiei a maternidade até ao limite do possível. Tive um filho aos 38 anos, quando pensei que talvez a estabilidade profissional e económica já mo permitissem.
Tive uns luxuzitos na vida: Comprei uma casa que devo ao banco e já tive três carros em 23 anos.
É verdade, já me esquecia, levei o meu filho à Disney com um subsídio de férias e, com o mesmo subsídio, costumava arrendar uma casa na Manta Rota, quinze dias todos os verões. Veleidades, devia saber que a Manta Rota é praia para gente de outro gabarito.
Sou mão de obra qualificada. Tenho duas licenciaturas e um sem número de formações.
Desde que entrei na carreira, em 1993/1994, fui sempre avaliada. É verdade, sempre avaliada! Curioso, não é?
Este ano, a caminho dos 50 anos, não posso levar o meu filho de férias para a Manta Rota pois o meu subsídio foi roubado pelo governo dos senhores de barba rija. Um bando de heróis em quem não votei, mas cujas malfeitorias tenho de suportar.
Temo que, se de repente me acontecer algo inesperado que implique dinheiro, uma doença, um problema com o carro ou com a casa, tenha de recorrer à ajuda dos meus pais. Dos meus pais, de quem me tornei independente aos 22 anos.
Sei também que cerca de 40% dos meus colegas de profissão estão em situação pior que a minha, pois não têm qualquer vínculo. E não ignoro que uma grande percentagem da população deste país, se encontra no limiar da pobreza.
Por isso, senhor Passos Coelho, tenho perdido o sono e cada vez tenho menos vontade de aturar desaforos; cada dia é mais difícil levantar-me para ir trabalhar!
Por isso é que lhe digo, com todo o respeito que me merece a senhora sua mãe que não conheço de lado algum, vá para a puta que o pariu mais a conversa dos "piegas", seu palhaço sem vergonha !